Escolha bem o tipo de discurso que interessa à sua marca

A escolha do tipo de discurso que uma marca vai adotar a longo prazo é uma decisão estratégica essencial para qualquer empresa. Tal decisão molda a forma como a empresa é percebida pelo público, define a sua identidade no mercado e influencia a forma como os consumidores e outros stakeholders se relacionam com a marca.

A autora francesa Pascale Weil, ao estudar a comunicação das principais empresas francesas, propôs quatro tipos principais de discurso que podem ser adotados: o discurso de soberania, o discurso de atividade, o discurso de vocação e o discurso de relação.

Cada um destes discursos oferece uma abordagem distinta que visa comunicar diferentes aspetos da marca. Ao organizar as suas comunicações segundo uma tipologia de discurso a empresa ganha um fator poderoso de coerência na forma como interage com o mercado, porque todas as suas mensagens estarão contribuindo para uma perceção desejada e controlada pelo gestor da marca.

É importante para o empresário, empreendedor ou gestor de empresas compreender por que a escolha do discurso certo é crucial para uma marca. Primeiramente, o discurso define a maneira como a empresa comunica os seus valores e objetivos, o que ajuda a construir uma imagem coerente e atrativa para o público. A consistência nesse discurso, especialmente a longo prazo, fortalece a identidade da marca, permitindo que os consumidores desenvolvam uma relação de confiança e compreensão com ela.

Além disso, o discurso influencia a perceção do público sobre a relevância e o propósito da marca na sociedade. Marcas que escolhem um discurso bem alinhado com as suas práticas e valores são vistas como mais autênticas e confiáveis, o que é cada vez mais valorizado pelos consumidores.

A tipologia de discurso adotado pela marca é fortemente indiciado pelo seu slogan institucional ou divisa, geralmente uma frase curta que propõe um “modo de ver” a empresa e sintetiza a ideia central a partir da qual se vão organizar todas as comunicações institucionais e comerciais.

  1. Discurso de soberania

O discurso de soberania enfatiza a liderança, o domínio e o papel de referência que a marca desempenha no seu setor de atividade. Este tipo de discurso é caracterizado por uma linguagem de autoridade, destacando os elementos que diferenciam a marca dos seus concorrentes e a posicionam como líder de mercado.

Empresas que adotam este tipo de discurso pretendem ser vistas como superiores e inigualáveis, não só pela qualidade dos seus produtos e serviços, mas também pela sua influência e inovação ou até pela sua dimensão e capacidade de garantir um resultado diferenciado a qualquer cliente.

Um exemplo claro de uma empresa que utiliza o discurso de soberania é a Apple. A marca não apenas se posiciona como líder no setor de tecnologia e inovação, mas também como uma referência cultural, com uma identidade icônica que influencia diversos mercados.

O slogan “Think Different” exemplifica o discurso de soberania da Apple, destacando a sua posição como inovadora e vanguardista. O lançamento de novos produtos é sempre um evento global que demonstra a autoridade da marca sobre tendências tecnológicas. Ao adotar o discurso de soberania, a Apple transmite a ideia de que é uma marca única e superior, elevando a expectativa dos consumidores em relação a ela.

  1. Discurso de atividade

O discurso de atividade foca-se nas realizações, ações e capacidades técnicas da empresa. Neste tipo de discurso, a marca comunica as suas capacidades, ações e iniciativas, destacando o impacto prático e tangível que gera no mercado ou na sociedade.

O discurso de atividade é muito utilizado por empresas que querem mostrar eficiência, compromisso com resultados e competência técnica.

Um exemplo marcante do discurso de atividade é a Toyota. A empresa nipónica é conhecida pela sua excelência em processos produtivos, especialmente através do “Toyota Production System” e da filosofia “kaizen” (melhoria contínua).

Na sua comunicação, a Toyota destaca frequentemente a qualidade e a inovação dos seus métodos de produção, assim como evidencia consistentemente a eficiência e sustentabilidade, valorizando o seu impacto direto na indústria automóvel.

Ao escolher o discurso de atividade, a Toyota reforça a sua imagem de marca confiável, altamente competente e eficiente, associando-se a conceitos de precisão e dedicação contínua à qualidade.

  1. Discurso de vocação

O discurso de vocação enfatiza a missão e o propósito da empresa além do lucro, destacando como contribui para os indivíduos, a sociedade e para o bem-estar geral. Este tipo de discurso é particularmente eficaz para marcas que querem ser vistas como socialmente responsáveis e comprometidas com o desenvolvimento sustentável e com o bem comum.

O discurso de Vocação é particularmente adequado para empresas que querem ancorar as suas atividades comerciais num compromisso de esforço, dedicação e entrega sem limites na ótica de um objetivo global e estimado pelo cliente.

Para estas marcas, é importante que o cliente saiba que toda a organização está alinhada com um propósito de servir a vontade e o interesse daqueles a quem dirige a sua oferta empresarial e que, nesta perspetiva, não haverá outra regra que não seja fazer tudo o que for necessário para atingir essa finalidade.

Um exemplo notável de discurso de vocação é a comunicação da Patagonia, empresa de vestuário outdoor e de aventura. A marca construiu uma identidade forte baseada em práticas ambientalmente sustentáveis e em um propósito claro de proteger o meio ambiente. O slogan “We’re in business to save our home planet” resume esse compromisso e o posicionamento de vocação.

A Patagonia não vende apenas produtos, a empresa incentiva a conservação ambiental, a reciclagem e até mesmo apoia causas ecológicas com parte dos lucros da empresa. A vocação da Patagonia está no centro de todas as suas estratégias de comunicação e ações empresariais, demonstrando uma missão que vai além de seus produtos e reforçando uma conexão emocional profunda com o consumidor.

  1. Discurso de relação

O discurso de relação concentra-se na proximidade com o cliente, na interação e no diálogo. Esse tipo de discurso é comum em empresas que desejam construir um vínculo estreito e um relacionamento duradouro com o consumidor. Em vez de falar sobre a superioridade ou as realizações da marca, o discurso de relação destaca o valor da experiência do cliente e o compromisso da marca em atender às suas necessidades e expectativas.

Nesta tipologia de discurso é muito comum a empresa usar formulações que valorizam o “nós” e o “vós” como partes de uma interação mutuamente benéfica, estabelecendo uma relação sinalagmática, equilibrada e sustentável.

O discurso da relação procura criar entre a empresa e o mercado uma plataforma comum que estruture um paradigma de acordo prévio à relação comercial, como se desenvolvessem juntos e em parceria algo que constrói valor nas esferas de interesse das partes, sem serem afetadas pela dialética natural da economia baseada na oposição de vontades.

Um bom exemplo de empresa que utiliza o discurso de relação é a Starbucks. A marca destaca-se por promover uma relação próxima com os seus clientes, oferecendo um “terceiro lugar” entre a casa e o trabalho, onde as pessoas podem relaxar e socializar.

A Starbucks desenvolve campanhas que incentivam a interação com os clientes, desde a personalização dos pedidos até iniciativas como o “Starbucks Rewards“, que reforçam a fidelização e o sentido de pertença ao universo simbólico e emocional da empresa.

A marca promove também ações de comprometimento social e, frequentemente, adapta as suas mensagens às comunidades locais onde está inserida. Este discurso ajuda a construir uma comunidade de consumidores leais e satisfeitos, que percebem a Starbucks como uma marca que se preocupa com suas preferências e experiências.

Comparação e estratégia a longo prazo

A escolha de um tipo de discurso depende dos objetivos da marca, do seu setor de atuação e da identidade que deseja construir a longo prazo. Para marcas que aspiram à liderança em inovação e autoridade no mercado, o discurso de soberania é eficaz, mas ele precisa ser sustentado por constantes inovações e posicionamento estratégico que justifique essa liderança.

Para empresas que valorizam a excelência em execução e resultados tangíveis, o discurso de atividade é uma escolha natural. Esse tipo de discurso permite que a marca se destaque pela sua competência e eficiência, mas exige que ela mantenha o alto padrão que promete.

O discurso de vocação é mais indicado para marcas com uma missão social ou ambiental forte, que desejam ser vistas como agentes de mudança positiva. Esse discurso requer consistência e um verdadeiro compromisso com causas que vão além do lucro.

Por fim, o discurso de relação é ideal para empresas que buscam proximidade e fidelização de seus clientes, valorizando a experiência do consumidor e promovendo um vínculo pessoal. Esse discurso exige interação constante e atenção às necessidades do cliente.

Ao escolher um discurso, as empresas devem considerar não só os benefícios, mas também as expectativas que serão criadas no público. Um discurso bem implementado fortalece a identidade da marca e a fidelização dos clientes, enquanto um discurso inadequado ou inconsistência entre o discurso e as práticas da empresa pode resultar em perda de credibilidade.

Em resumo, escolher o tipo de discurso que uma marca adotará a longo prazo é uma decisão estratégica que impacta diretamente a imagem, a relação com os consumidores e a relevância da marca no mercado.

A questão que, legitimamente, se pode levantar nesta fase da conversa é a de saber se os quatro discursos propostos por Weil esgotam a totalidade das variações possíveis em matéria de posicionamento naquilo que a empresa DIZ ao mercado e aos stakeholders.

Provavelmente, investigações mais extensas e atualizadas poderiam argumentar propostas de tipificação que adicionassem outras classes de discurso às que aqui estão em análise, mas para efeito de fundamentação de um processo de escolha racional e bem documentado do discurso da sua empresa creio que conhecer estes quatro discursos já o ajudará a situar as suas ideias num esquema analítico que auxilia o raciocínio de comunicação.

Os quatro tipos de discurso definidos por Pascale Weil – soberania, atividade, vocação e relação – oferecem abordagens distintas, cada uma adequada a diferentes objetivos e valores de marca. Empresas como Apple, Toyota, Patagonia e Starbucks são exemplos de marcas que utilizam esses discursos de forma eficaz, fortalecendo suas identidades e se destacando em seus respetivos setores.

A escolha do discurso certo, aliada a uma execução consistente e alinhada com os valores e práticas da empresa, permite construir uma marca autêntica, respeitada e com uma relação de confiança duradoura com os seus consumidores.

Paulo Fidalgo
Diretor Geral da Marketividade

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